quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

O peso da décima: a questão acentual ocupa críticos 10%

Nota prévia: os diferentes tipos de letra têm a ver com os momentos e suportes diferentes na escrita do que segue.

O peso da décima: a questão acentual ocupa críticos 10%!

Menina, mesmo muito menina e ainda bem longe de ser moça,  havia uma indefinida e inquietante gravidade a rodear a "décima". Sobre isso, escrevi algures e trarei o assunto ao teclado um dia destes. Por hoje, limito-me à questão acentual. Transcrevo  o que escrevi em contexto académico: 

«A generalidade das palavras tem um segmento, a sílaba, que se pronuncia com maior intensidade do que os seus vizinhos. Ao fenómeno da intensidade damos o nome de acentuação, sendo designado como  acentuado (ou tónico) o segmento que comporta o acento prosódico ou seja, tem intensidade maior do que a  dos outros segmentos não-acentuados (ou átonos, ou ainda, inacentuados). Nota-se que embora prosodicamente (isto é, fisicamente) se possam encontrar vários graus de intensidade, em português apenas se distingue, funcionalmente, entre segmentos acentuados (ou tónicos) e não-acentuados, isto é, entre a presença e a ausência do acento, o que significa que existe apenas um acento prosódico. Noutras línguas, por exemplo o alemão (...), pode-se falar em acento principal e um ou mais acentos secundários.» (LIMA, 2002: 7.02)

As exigências da minha função docente muitas vezes levaram-me a procurar explicitar em forma de instruções simples o como acentuar. Eis alguns exemplos dessas instruções:

. Assinalar a sílaba oxítona (aguda) ou a proparoxítona (esdrúxula), que são excepções à regra do acento. A regra, em português (e não só: também em algumas outras línguas novilatinas, como o It., Esp., Fr., (Cv.), é que a sílaba acentuada é a paroxítona (grave).

. Contrastar a natureza vocálica (valor “+bx” vs “-bx”, como em:
a) “-ámos/-amos” --em todos os verbos da primeira conjugação, têm a mesma forma a primeira pessoa plural do presente do indicativo e do pretérito perfeito, distinguindo-se porém (no português padrão em uso) o pretérito perfeito com o "a" tónico mais aberto  (“+bx”);
b) “pelo”(V)/“pêlo”(N). A primeira pessoa singular do presente do indicativo do verbo "pelar"(pelo) tem a vogal tónica bem aberta  (“+bx”) enquanto que no substantivo é mais fechada. "Pelo-me por ervilhas frescas", bem poderá ter dito o Carlos da Maia no final do romance "Os Maias" enquanto ele e João da Ega dão uma corrida para não perder o trem.
Note-se que a preposição “pelo”, que na maior parte das vezes pronunciamos "p'lo" (ou seja, o seu acento fonético depende da palavra seguinte), pode todavia ter um acento próprio, com a vogal tónica média, ou seja, “-bx” tal como o substantivo "pêlo"/"pelo", sem que se modifique a grafia;
c)  “sóis”(plural de "sol")/ “sois”(V).

Os acentos nas línguas primas
Muitas perguntas há sobre o porquê de "Paul" (é assim a ortografia atualizada), o município santantonense repleto de histórias de reivindicação autonómica, aparecer ora com acento gráfico ora sem.


Perguntam-me então, contrastivamente, o porquê deste "Raúl Palácio" num certo texto em português, que traduz um nome próprio espanhol. Ora segundo as regras da acentuação do espanhol, que se pode consultar na base da Academia Real Espanhola, o correto é: "Raúl Palacio". Ou seja, enquanto nome próprio espanhol,  não se acentua graficamente. Logo,  há que manter a grafia do original no texto em português. 

De facto, ao ler um texto em  espanhol e o mesmo em português, observamos que  a ortografia nesta e naquela língua parece que  dita regras opostas. Senão, vejamos:
1. O sufixo espanhol -"(e)ncia"  tem a mesma prosódia que o seu equivalente português "-(ê)ncia". Apenas diferem na ortografia (acento gráfico sobre a tónica, no português).Exemplos: constancia/constância, ciencia/ciência,os nomes próprios iguais nas duas línguas: García/Garcia, María/Maria, etc.
2.  Contrariamente,  o sufixo espanhol acentua graficamente o sufixo "-ía" que tem a mesma prosódia que o seu equivalente português "-ia" sem acento gráfico sobre a tónica). Exemplos: os nomes próprios iguais nas duas línguas: García/Garcia, María/Maria, etc.

 

(A continuar)

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