quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Utentes de redes sociais dão mais erros ...ou brincam com a língua 28 fevereiro 2019

Utentes de redes sociais dão mais erros ...ou brincam com a língua 28 fevereiro 2019 A abordagem pode ser séria, tipo “está errada”, a ortografia é “ideia”. Ou faz-se outra abordagem, a de entrar no jogo para perceber o que está a ser dito:…Idea? Edea? Para quê o pingo do ‘i’ no ‘e’? Onde pára a anaptixe?! Mas contrapor-se-á à ideia de se estar a brincar, com o questionamento sobre "em que idade é esta brincadeira, em que modelo educativo, se da pioneira Finlândia, dos top-10 como a Singapura, Japão … esses que investem fundo, patrioticamente, na formação inicial. E os braços até podem levantar-se exasperados para expressar "Em Cabo Verde estamos a perder, teremos perdido o norte? Esta ilustração acompanha a resposta à pergunta sobre se os utentes das redes sociais cometem mais erros (escritos) que os demais (que escrevem) e se na universidade pública (os estudantes, parece-me) dão mais erros. Utentes de redes sociais dão mais erros ...ou brincam com a língua Por: MªLourdes Lima, com agradecimento a quem me perguntou Primeiro, os factos. É facto que a liberdade de expressão se expressa (passe o pleonasmo) até nas gralhas que tendem a ser mais frequentes nas redes sociais que em outros contextos de escrita. Se no Facebook, o livro das carinhas, escrevemos na ‘descontra’, o mesmo não pode aplicar-se a uma situação de comunicação menos informal. É facto que é para evitar isso (a mistura de estilos, do formal ao informal nos textos oficiais) que os programas de ensino trazem o estudo dos registos linguísticos. Mas se uma pessoa comete erros em outros contextos de escrita, não se estranhe que os leve para a sua escrita nas redes sociais. Como tudo na vida, porém, a realidade é feita de muitas nuances, entre o branco e o preto, entre o básico e o aprofundado: há os que se acomodam com o que adquiriram e deixam de procurar atualizar os conhecimentos, incluindo os relacionados com os instrumentos da escrita. Há outros que buscam ativamente atualizar-se: leem para saber mais (e não só ter mais informação), discutem ideias, escrevem para organizar as ideias e quando escrevem para comunicá-las têm o cuidado de fazer uma tarefa básica que muitos esquecem: rever o que escreveu. Nos fóruns, chats… a preocupação é com a interação e é natural que a pessoa escreva sem a preocupação de fazer a revisão do que acabou de escrever. Poderia fazê-lo mais tarde… mas há quem pense "Para quê?", justificando-se que a comunicação nestes meios tem mais uma função lúdica. Além disso, note-se que a velocidade exigida pela interação obriga muitas vezes a uma “escrita nova”, muito marcada pela fonética e ou pela imagem. Estudantes universitários... A perceção dos erros é capaz de ser maior por parte de quem detém a norma e avalia segundo esta o que muitos escrevem nas redes sociais. E um alvo tem sido a universidade pública, que desde há décadas tem sido apontada como um lugar onde até se dão mais erros... Dificilmente diria que os estudantes universitários fazem mais erros que outros utentes, em termos gerais. É bem possível que os erros deste estrato social se tornem mais visíveis, talvez porque... são mais ativos nesse meio? É pois preciso "olhar mais longe", para compreender isso e relacionar com a forma como se comporta a sociedade em que a universidade se insere. Quais as atitudes, os valores? Quem valoriza o saber mais que o ter? ….Temos uma sociedade (não só nacional, mas global) que está muito refém de uma determinada conceção da cultura de massas, que é acrítica, passiva, logo, incultura. Essa cultura “industrial” para consumo e essa ideia de consumismo transformam num alvo o ser humano em desenvolvimento. Para isso, dá-se-lhe a promessa de que ele tem todos os direitos porque é cliente. Com isso, anula-se o seu investimento intelectual na cultura, que devia ser participada efetivamente. Vamos aos erros: como referi, não vejo uma significativa influência da escrita “blogal”, dos social-media, sobre o desempenho em outros ambientes. Embora num chat eu possa utilizar abreviaturas, num texto padrão vou ter que desenvolver essas formas abreviadas, tal como ao passar do texto oral para o texto escrito vou ter de fazer determinadas operações relacionadas com os fatores próprios das duas situações de comunicação. A pergunta então seria se os estudantes universitários fazem mais erros (escritos) que os demais escreventes. Uma pessoa que tenha feito a sua escolarização há 20, 30, 40 anos pode ter melhor desempenho que um estudante universitário? Pode, sim, mas isso só acontece para quem continua a trabalhar com as competências adquiridas na escolarização e procura atualizá-las. É que toda a atividade exige a prática continuada e, caso contrário, ocorrem situações de perda de competências anteriormente adquiridas. A pessoa ao deixar de andar, perde a motricidade. A pessoa ao deixar de pensar de forma racional perde capacidades intelectuais. "Vamos aos erros", afinal, levaria tempo estar aqui a enumerá-los exaustivamente (estão dispersos em alguns trabalhos que fiz nesse sentido, alguns deles estão publicados — os de mais fácil consulta estão no meu Facebook (sim!) e nos blogues ScientiaEtPoesia.blogspot.com, DeCapoViride.blogspot.com, … ). Remato: Brincar com a nossa língua é parte duma caminhada continuada, com encontros e desencontros, pausas e acelerações. Uma aventura e uma rotina, permita-se-me o oxímoro, na permanente (der)rota para compreender e assim aprender, saber mais e dar sentido ao mundo. Uma nota final. Pergunta feita, a resposta foi enviada para publicação no dia seguinte, um sábado. Até esta, ficou ’moita carrasco’ — razão para a sua publicação, um mês depois, hic et nunc.