sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Anglicismos

Wed, Nov 7, 2007 at 7:22 PM

Em A Caderneta, que Baltasar Lopes escreveu ainda na década de Quarenta e fez publicar na revista coimbrã Vértice, em 1948 - a protagonista refere o cicerone ("... nisto bateu à porta o Joza cicerone.", prgr 15).
É este uma emblemática figura mindelense, e que, com o tempo, viu as suas funções serem modificadas mas a principal manteve-se. A sua principal função era e é o acompanhar o recém-chegado. Nos tempos áureos do Porto Grande, os estrangeiros, fossem eles viajantes, marinheiros e, mais raro, turistas, saíam do navio e iam visitar a cidade, contratavam o cicerone que os iria guiar pelas ruas e bairros. Este guia era ainda o pivot entre a população e os forasteiros a quem servia de tradutor, de intermediário, de entremetteur (uma espécie de Brízida Vaz, como no auto de Mestre Gil).
Detenhamo-nos sobre as competências de tradutor do cicerone: geralmente era um débrouilleur, um autodidacta que tinha aprendido a falar inglês nas voltas da vida que a cidade permitia, sobretudo àqueles que tinham de sair à rua para ir buscar o sustento de cada dia, desde a mais tenra infância, quantas vezes filhos de mãe solteira, no sentido primeiro e também sociológico, de só. Filho de um pai semeador que não volta atrás para ver se a semente vai medrar, se precisa de água, de nutrientes, de cuidados, e por isso, quiçá, a sociedade no século, séculos, a seguir continuará a pagar por essa falta de(pre)vi(d)(v)ência paterna. Previdência , mundividência, mundivivência.
E porque podia aprender-se o inglês na rua? Para uma tentativa de resposta, consultemos as obras que têm tratado da história da cidade do Mindelo. Sintetizando-as: no início do século vinte, eram ingleses cem dos pouco mais de três mil habitantes de S. Vicente. O peso demográfico, 3,3%, que todavia não era despiciendo (tanto mais que superava o de naturais de Portugal), era de longe ultrapassado pelo peso económico. E por este, também simbólico-representativo, alimentado ainda por um apurado sentimento de que eram a elite da terra. Acima dos latinos lusitanos e italianos, como documentam alguns ensaios. Elite tanto nas classes dirigentes da economia como na classe trabalhadora.
Ora estes ingleses da digamos aristocracia, que decerto seriam conotados com a típica fleuma britânica, vivendo sem um contacto estreito com a população, todavia precisariam, como diria Beckett, de um cozinheiro, uma lavadeira, criada, ama para os meninos ... de um caddie para lhes transportar os tacos de golfe, o equipamento de ténis, o de cricket, o do footing, futebol, basebol, natação...
Também havia a elite inglesa da classe proletária emigrada, a que usufruiu das vantagens criadas pela admirável possibilidade da coexistência de estádios de progresso diferentes numa mesma sincronia (a pré-industrial e a industrial avançada a viverem numa mesma época, mas em espaços diferentes). Vinham de uma sociedade em que a industrialização estava já num bem avançado estádio de domínio tecnológico e que estava apta a transferir já não apenas o produto do seu progresso tecnológico mas também o equipamento e o know-how associados. Isso permitia ao operariado uma certa mobilidade na escala social, obtida com a emigração para os territórios menos desenvolvidos e que eram como súbditos, por via directa ou não, do império britânico. Tal mobilidade social traduzia-se, no caso de Cabo Verde, numa ascensão: de simples operários passavam a mestres que vinham ensinar ofícios desde a carpintaria, ferraria, serralharia electromecânica, electricidade...
Estavam criadas todas as condições para que os mindelenses recebessem os ingleses de braços abertos e vissem neles modelos a seguir, muito antes de terem acesso à cultura de massas de matriz e expressã o anglófonas que começaria a divulgar-se, entre nós, um quartel de século depois. E porque o léxico é o que mais facilmente pode deixar-se permear por influências externas não será de admirar que se encontre no crioulo de S.Vicente centena e meia de lexemas que se pode argumentar terem entrado na aurea etate do Porto Grande, a de uma certa geração dourada.

EMPRÉSTIMOS OU INTERFERÊNCIAS
LEVANTAMENTO DE ALGUMAS EXPRESSÕES
Vocábulos em Crioulo
Qualificação
Origem Etimológica
Significado em Português
Murguín
Nome
Morgan
Rua Morgan
Boyze