quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Plateau, rua J. Bicker


Toponímia capitalina — Criatividade gerada pelo erro

Misóginos dizem que o erro de Deus gerou a mulher. Sem misoginia, vou dar aqui conta de um erro ortográfico que gerou uma heroína.

Nesse entardecer, a parente chegada para uma primeira visita à capital faz-nos o inventário das suas descobertas.
Numa cidade sem topónimos, o centro da cidade é a exceção. Está sobretudo encantada com o único nome de rua que homenageia uma mulher. Sim?! Espantei-me. Antes de ter tempo de se espantar com o nosso espanto eis a “ rua Judite Bicker”, atira ela triunfal sacando do ‘tablet’ com a foto que junto.
Ela bem escreveu: “A primeira vez que vi a placa metálica, letras brancas sob fundo azul, numa rua transversal da capital pus-me a imaginar uma heroína da nossa história comum. Uma filha das ilhas com ascendentes em dois continentes, relembrada numa rua da capital. Deduzo que ela seria, decerto, uma representante dos encontros que no nosso país se deram entre povos diferentes”.
A imaginação a voar, a minha parente já estava a ver nessa "Judite Bicker" uma filha das ilhas que desbravou caminhos.
Onde estão os topónimos a lembrar-nos as valorosas mulheres da nossa terra?
A verdade é mais prosaica
A rua com a placa lá está há anos, muitos, desde que me lembro. Mas quase juraria que como eu muita gente nunca lhe ligou. Confesso que evito olhar para ela, para não me cansar. Como os erros não assumidos cansam! Concluo sempre. E mais uma vez, como há anos venho tentando, faço nova tentativa para se corrigir um erro na toponímia.
Vamos à real história. A rua dedicada a "Júdice Bicker" homenageia o segundo governador da mui conturbada era republicana.
Joaquim Pedro Vieira Júdice Bicker esteve por cá de 1911 a 1915, depois de governar a província de São Tomé e Príncipe.
Eugénio Tavares em 1913 publicou em ’A Voz de Cabo Verde’ um longo artigo sobre a ação deste governador que ia a meio do mandato.
É uma leitura indispensável para bem conhecer como o republicanismo convivia com os resquícios do regime monárquico recém-derrubado.

(Fico-me por aqui, à espera de incentivos para continuar)

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Pensamentos de outubro

Finda Outubro.
Outubro. É o mês da safra feita, "midje na tambaque (midje na tanbake)", e há os nossos meninos e meninas em outubro nascidos. ...................................................................E gente das artes e ciências, criadores que dizem inspirar-se no facto de terem nascido em outubro. ...............................Eugénio nhô Génio prova-o? Faz sentido: si ca bado ca ta birado/si ka badu ka ta birado/si ka badu ka ta biradu, ............................como é que eu pensaria a 500 mil quilómetros, estando na Lutécia, cidade das luzes, que o Halloween teve de inspirar-se nas antigas tradições de camponeses em ano de fartura, um setembro farto para estes das Hespérides ignotas, ..............................mês farto que em outubro já os fez esquecer a providência e a previdência, ................................e por entre festejos, cheios de 'seberbindade' atiram bobras-foga tornadas bespotes 'pa rotcha bòxe'. Já sem se lembrar que estão a desafiar o Céu movidos apenas pelo instinto de desforra sobre a gente da vila que lhes vende caro o milho e as sementes em anos de vacas magras..................................................................................................

E a  referência à cidade das Luzes, impôs-me o seguinte exercício de pensamento: 


- Se Paris deixou de estar na Praia – deixou de haver residente desde o Embaixador Barbès, que se aposentou, e desde setembro 2015 o representante francês reside em Dacar) --, porque é que a Praia não mudou o lugar da representação? Calcule-se o que não iria render para os cofres nacionais a renda da embaixada? Cabo Verde tem representação diplomática também em Bruxelas, Luxemburgo, Roma, Madrid, Lisboa, cuja distância (via aérea) é menos de duas horas, às vezes menos de uma …. Porque é que não se faz a melhor alocação possível de recursos?.......................................

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

O Eugénio Tavares jornalista tinha uma definição pejorativa de "governança"

Volto ao tema que aqui tratei em quarta-feira, 5 de abril de 2017

Qual a diferença entre governança e governação (Volto transcrevendo o 1º parágrafo:) // Há anos que tenho opinado (com base em fontes) que o anglicismo governance deve ser tratado como tal. Ou seja, usado sempre que não exista equivalente e escrito entre aspas (neste caso, italicizei-o) para indicar que não é uma palavra do português. Como anglicismo, o seu uso deve indicar que não há em português um  vocábulo exacto/exato para o traduzir.



Em janeiro de 1913, o patrono do Dia da Cultura (instituído no Cabo Verde independente, no 3º milénio), escrevia em 'A Voz de Cabo Verde' um artigo contra o poder colonial, designadamente os seus agentes que aqui em Cabo Verde governavam mal, designadamente praticando a corrupção a vários níveis, em cumplicidade com: "...um certo comércio, avisado e prudente, casado de há longos anos com a ilustríssima senhora D. Governança (...)".  (Pode ser consultado a pág.116-120 de  "Eugénio Tavares pelos jornais", do investigador Félix Monteiro).


quarta-feira, 5 de abril de 2017

Qual a diferença entre governança e governação

Qual a diferença entre governança e governação
Há anos que tenho opinado (com base em fontes) que o anglicismo governance deve ser tratado como tal. Ou seja, usado sempre que não exista equivalente e escrito entre aspas (neste caso, italicizei-o) para indicar que não é uma palavra do português. Como anglicismo, o seu uso deve indicar que não há em português um  vocábulo exacto/exato para o traduzir.
De facto “governance” em inglês tem um leque tão variado de usos que se pode aplicar a noção a quase todas as a(c)tividades desde a política até à economia e à etnologia, a nível tanto formal como informal, etc. Como se pode ver, bem longe do carácter especializado que se lhe anda a conferir na nossa língua oficial em que exprime  a ideia de que se trata de uma forma de governação que pugna por um tipo de administração mais transparente de toda uma sociedade.
Todavia, o leitor pode ficar enredado no facto de que os actuais/atuais  dicionários gerais têm estado a definir “governança” como sinónimo de “governo” e “governação” (para referir o “acto/ato de governar”). E, de facto, a palavra “governance”, embora ande traduzida como “governança”, é também muitas vezes posta em correspondência com “governação”  (nas traduções, por exemplo, que exigem rápidas transferências. Pressa, como é próprio infelizmente do vocabulário mediático).
O interesse de “governança” como noção (vamos adje.c.tivá-lo e com exagero) renovada explica-se assim: o utilizador sente que ganha em transparência em detrimento de governação, uma noção, vamos dizê-lo (de novo com exagero para se perceber melhor), obsoleta – porquanto, traz consigo tudo quanto é não-eficaz se o utilizador quiser transmitir de si uma imagem positiva de líder -- representativo, transparente, carismático, criativo no contexto político, com sentido de Estado, etc.
1ª recomendação: use “Governação”
Em português, o vocábulo a utilizar quando nos queremos referir ao “acto/ato de governar” é “governação”. O seu étimo é “gubernare”, já utilizado no primeiro tratado existente tanto quanto sabemos, a “Politeia” de Platão. O verbo que encontramos em latim para significar desde o dirigir um navio, ou intransitivamente dirigir, governar, … e até sustentar-se a si e à família.
2ª recomendação: evite “Governança”
O uso de “governança”, que tem vindo a ser feito como sinónimo de “governação”, tem de ser explicado para perceber o quanto é, por razões de lógica e economia linguística, para evitar.
Ora bem, “governança” foi até ao século XV utilizado no domínio de poder administrativo não emanando do rei, ou seja com o sentido que hoje temos para “governação”. Como mostram textos anteriores, “governação” foi primeiro utilizado no domínio marítimo e, com o tempo, começou a estender-se à administração política (como mostram os textos jurídicos do séc. XV) e especializou-se neste domínio. Com isso, “governança” perdeu o sentido  no domínio da administração de poder municipal, como se especializara e que passou doravante para o vocábulo “governação”.
Em sentido especializado, temos pois “governação” enquanto que “governança”, a partir do século XV, passou a ter um sentido pejorativo (pelo menos, em português de Portugal – PE). Isto que o especialista analisa ao fim de anos de estudos sobre textos desde o português médio ao coetâneo, pode o leitor curioso consultar em segundos nos dicionários hoje disponíveis até online.
3ª recomendação: se não puder evitar, use “Governance
Se sente que não pode usar “governação” e explicar ao mesmo tempo que se trata de uma forma de governação que pugna por um tipo de administração mais transparente de toda uma sociedade… então use “governance”(e esqueça que esta veio do francês “gouvernance”).


Mas… os dicionários dizem que são sinónimos?!
Qual a diferença entre governança e governação
Há anos que tenho opinado (com base em fontes) que o anglicismo governance deve ser tratado como tal. Ou seja, usado sempre que não exista equivalente e escrito entre aspas (neste caso, italicizei-o) para indicar que não é uma palavra do português. Como anglicismo, o seu uso deve indicar que não há em português um  vocábulo exacto/exato para o traduzir.
De facto “governance” em inglês tem um leque tão variado de usos que se pode aplicar a noção a quase todas as a(c)tividades desde a política até à economia e à etnologia, a nível tanto formal como informal, etc. Como se pode ver, bem longe do carácter especializado que se lhe anda a conferir na nossa língua oficial em que exprime  a ideia de que se trata de uma forma de governação que pugna por um tipo de administração mais transparente de toda uma sociedade.
Todavia, o leitor pode ficar enredado no facto de que os actuais/atuais  dicionários gerais têm estado a definir “governança” como sinónimo de “governo” e “governação” (para referir o “acto/ato de governar”). E, de facto, a palavra “governance”, embora ande traduzida como “governança”, é também muitas vezes posta em correspondência com “governação”  (nas traduções, por exemplo, que exigem rápidas transferências. Pressa, como é próprio infelizmente do vocabulário mediático).
O interesse de “governança” como noção (vamos adje.c.tivá-lo e com exagero) renovada explica-se assim: o utilizador sente que ganha em transparência em detrimento de governação, uma noção, vamos dizê-lo (de novo com exagero para se perceber melhor), obsoleta – porquanto, traz consigo tudo quanto é não-eficaz se o utilizador quiser transmitir de si uma imagem positiva de líder -- representativo, transparente, carismático, criativo no contexto político, com sentido de Estado, etc.
1ª recomendação: use “Governação”
Em português, o vocábulo a utilizar quando nos queremos referir ao “acto/ato de governar” é “governação”. O seu étimo é “gubernare”, já utilizado no primeiro tratado existente tanto quanto sabemos, a “Politeia” de Platão. O verbo que encontramos em latim para significar desde o dirigir um navio, ou intransitivamente dirigir, governar, … e até sustentar-se a si e à família.
2ª recomendação: evite “Governança”
O uso de “governança”, que tem vindo a ser feito como sinónimo de “governação”, tem de ser explicado para perceber o quanto é, por razões de lógica e economia linguística, para evitar.
Ora bem, “governança” foi até ao século XV utilizado no domínio de poder administrativo não emanando do rei, ou seja com o sentido que hoje temos para “governação”. Como mostram textos anteriores, “governação” foi primeiro utilizado no domínio marítimo e, com o tempo, começou a estender-se à administração política (como mostram os textos jurídicos do séc. XV) e especializou-se neste domínio. Com isso, “governança” perdeu o sentido  no domínio da administração de poder municipal, como se especializara e que passou doravante para o vocábulo “governação”.
Em sentido especializado, temos pois “governação” enquanto que “governança”, a partir do século XV, passou a ter um sentido pejorativo (pelo menos, em português de Portugal – PE). Isto que o especialista analisa ao fim de anos de estudos sobre textos desde o português médio ao coetâneo, pode o leitor curioso consultar em segundos nos dicionários hoje disponíveis até online.
3ª recomendação: se não puder evitar, use “Governance
Se sente que não pode usar “governação” e explicar ao mesmo tempo que se trata de uma forma de governação que pugna por um tipo de administração mais transparente de toda uma sociedade… então use “governance”(e esqueça que esta veio do francês “gouvernance”).


Mas… os dicionários dizem que são sinónimos?!

Resumindo o que acima fica, transcrevo: “A noção de governança parece ter a agenda secreta de racionalizar totalmente a governação, de não deixar nada por explicar” (J. M. Curado, Estruturas de Governação, CDN2006).


Qual a diferença entre governança e governação

- Qual a diferença entre governança e governação

Há anos que tenho opinado (com base em fontes) que o anglicismo governance deve ser tratado como tal. Ou seja, usado sempre que não exista equivalente e escrito entre aspas (neste caso, italicizei-o) para indicar que não é uma palavra do português. Como anglicismo, o seu uso deve indicar que não há em português um  vocábulo exacto/exato para o traduzir. 

De facto “governance” que em inglês tem um leque tão variado de usos que se pode aplicar a noção a quase todas as a(c)tividades desde a política até à economia e à etnologia, a nível tanto formal como informal, etc. Como se pode ver, bem longe do carácter especializado que se lhe anda a conferir na nossa língua oficial em que exprime  a ideia de que se trata de uma forma de governação que pugna por um tipo de administração mais transparente de toda uma sociedade.

Todavia, o leitor pode ficar enredado no facto de que os actuais/atuais  dicionários gerais têm estado a definir “governança” como sinónimo de “governo” e “governação” (para referir o “acto/ato de governar”). E, de facto, a palavra “governance”, embora ande traduzida como “governança”, é também muitas vezes posta em correspondência com “governação”  (nas traduções, por exemplo, que exigem rápidas transferências. Pressa, como é próprio infelizmente do vocabulário mediático).

O interesse de “governança” como noção (vamos adje.c.tivá-lo e com exagero) renovada explica-se assim: o utilizador sente que ganha em transparência em detrimento de governação, uma noção, vamos dizê-lo (de novo com exagero para se perceber melhor), obsoleta – porquanto, traz consigo tudo quanto é não-eficaz se o utilizador quiser transmitir de si uma imagem positiva de líder -- representativo, transparente, carismático, criativo no contexto político, com sentido de Estado, etc.
1ª recomendação: use “Governação”
Em português, o vocábulo a utilizar quando nos queremos referir ao “acto/ato de governar” é “governação”. O seu étimo é “gubernare”, já utilizado no primeiro tratado existente tanto quanto sabemos, a “Politeia” de Platão. O verbo que encontramos em latim para significar desde o dirigir um navio, ou intransitivamente dirigir, governar, … e até sustentar-se a si e à família.

2ª recomendação: evite “Governança”
O uso de “governança”, que tem vindo a ser feito como sinónimo de “governação”, tem de ser explicado para perceber o quanto é, por razões de lógica e economia linguística, para evitar.

Ora bem, “governança” foi até ao século XV utilizado no domínio de poder administrativo não emanando do rei, ou seja com o sentido que hoje temos para “governação”. Como mostram textos anteriores, “governação” foi primeiro utilizado no domínio marítimo e, com o tempo, começou a estender-se à administração política (como mostram os textos jurídicos do séc. XV) e especializou-se neste domínio. Com isso, “governança” perdeu o sentido  no domínio da administração de poder municipal, como se especializara e que passou doravante para o vocábulo “governação”.

Em sentido especializado, temos pois “governação” enquanto que “governança”, a partir do século XV, passou a ter um sentido pejorativo (pelo menos, em português de Portugal – PE). Isto que o especialista analisa ao fim de anos de estudos sobre textos desde o médio ao coetâneo, pode o leitor curioso consultar em segundos nos dicionários hoje disponíveis até online.

3ª recomendação: se não puder evitar, use “Governance
Se sente que não pode usar “governação” e explicar ao mesmo tempo que se trata de uma forma de governação que pugna por um tipo de administração mais transparente de toda uma sociedade… então use “governance”(e esqueça que esta veio do francês “gouvernance”).


Mas… os dicionários dizem que são sinónimos?!


Resumindo o que acima fica, transcrevo: “A noção de governança parece ter a agenda secreta de racionalizar totalmente a governação, de não deixar nada por explicar” (J. M. Curado, Estruturas de Governação, CDN2006).

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

“Acordo Ortográfico”: Novo manifesto contesta o "critério da pronúncia" que gera aberrações



O manifesto dos "Cidadãos contra o ’Acordo Ortográfico’ de 1990" (AO90), divulgado pela comunicação social esta segunda-feira, 23 em Lisboa, contesta o "critério da pronúncia" adoptado, que "gerou aberrações" e "abriu a caxa de Pandora", ou seja, a fonte de todos os erros.

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tratado internacional firmado em 1990 com o objectivo de criar uma ortografia unificada para o português, volta a ser contestado pela enésima vez, no manifesto “postado” nas redes sociais e divulgado esta segunda-feira, 23 em Lisboa.
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Dirigido ao Chefe de Estado, ao parlamento e ao Governo, a juízes dos tribunais, "aos portugueses, funcionários públicos, escolas públicas, particulares e cooperativas, respectivos professores e alunos, universidades, editoras e autoridades administrativas independentes", lê-se no manifesto que "o processo de entrada em vigor do AO90, nos Estados lusófonos, começou por ser um golpe político". Chamam a atenção, os subscritores, que Angola e Moçambique, "os dois maiores países de Língua Portuguesa a seguir ao Brasil", "nunca o ratificaram", enquanto Portugal, Brasil e Cabo Verde "o mandaram ’aplicar’ obrigatoriamente".

O manifesto, assinado por mais de uma centena de personalidades, como o escritor António Lobo Antunes, Boaventura de Sousa Santos, Eduardo Lourenço, Isabel Pires de Lima, António Barreto, Carlos Fiolhais, Carlos do Carmo e António-Pedro Vasconcelos, é também dirigido à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), ao Instituto Internacional da Língua Portuguesa, à Academia das Ciências de Lisboa, ao Instituto de Linguística Teórica e Computacional e ao Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, à Imprensa Nacional — Casa da Moeda "e a todas as restantes entidades públicas e privadas".

"Critério da pronúncia gera absurdos"
"O AO90 criou arbitrariamente centenas" de entradas de dicionário, "até aí inexistentes em qualquer das ortografias", como "conceção" por "concepção", "receção" por "recepção", "espetador" por "espectador", que geraram "confusões semânticas: "’conceção de crédito’, ’receção económica’ ou ’espetador de cinema’", citam os signatários, no tocante às consoantes mudas, defendendo que são exemplos.
"No entanto, pela mesma lógica, o AO90 deveria começar por cortar a mais ’muda’ de todas as consoantes: o "h" inicial. O que não fez", realça o texto assinado personalidades de vários domínios do saber.
Segundo o documento, o AO90 "estabeleceu 17 normas que instituem duplas grafias ou facultatividades, assentando num critério que se pretende de acordo com as ’pronúncias’", dando como exemplos "corrupto" e "corruto", "ruptura" e "rutura", "peremptório" e "perentório".
No caso de "’óptico’ (relativo aos olhos), com a supressão da consoante ’muda’ ’p’, passou a ’ótico’ (relativo aos ouvidos), o que cria a confusão total" entre especialistas e público, "que deixam de saber a que órgão do corpo humano" se refere.
Em Portugal, para os subscritores do manifesto, como Constança Cunha e Sá e Eugénio Lisboa, "a eliminação sem critério das consoantes ’c’ e ’p’, ditas ’mudas’, afasta as ortografias do português europeu e do Brasil", tendo ainda criado "desagregações nas famílias de algumas palavras".
Salienta o texto que estas "desagregações" provocam "insólitas incoerências", como "Egito" e "egípcios", produtos "lácteos" e "laticínios", os "epiléticos" que sofrem de "epilepsia" ou o "convector" que opera de modo "convetivo".
"O facto de as facultatividades serem ilimitadas territorialmente", acrescenta o manifesto, "conduz a uma multiplicação gráfica caótica", como acontece com "’contacto’ e ’contato’, ’aritmética’ e ’arimética’".
"O curso universitário de ’Electrónica e Electrotecnia’ pode ser grafado com 32 combinações diferentes", o que é "manifestamente absurdo", lê-se no manifesto assinado por personalidades, como Maria Teresa Horta, Manuel Alegre e António Garcia Pereira, e cinco associações, entre as quais a Sociedade Portuguesa de Autores. . "A confusão maior surgiu entre a população que se viu obrigada a ter de ’aplicar’ o AO90, e passou a cortar ’cês’ e ’pês’ a eito, o que levou ao aparecimento de erros", como "batérias", "impatos", "ténicas", "fição", "adatação", "atidão", "abruto" e "adeto", "além de cortarem outras consoantes, como, por exemplo, o ’b’ em ’ojeção’, ou o ’g’ em ’dianóstico’".
Os subscritores, como Helena Roseta, José Pacheco Pereira e Januário Torgal Ferreira, afirmam que, no uso de maiúsculas e minúsculas, "o caos abunda" e é "caótica "a forma como se utiliza o hífen": "guarda-chuva" e "mandachuva", "cor-de-rosa" e "cor de laranja" são alguns exemplos.
"Entre outras arbitrariedades, a supressão do acento agudo cria situações caricatas. A expressão popular: ’Alto e pára o baile’, na grafia do AO90 (’Alto e para o baile’) dá origem a leituras contraditórias", e a frase "Não me pélo pelo pêlo de quem pára para resistir" fica incompreensível, adianta o documento. "Para ’compensar’ o desaparecimento da consoante ’muda’ e evitar o ’fechamento’ da vogal anterior, imposto pelo AO90, na escrita corrente, surgem aberrações espontâneas como a colocação de acentos fora da sílaba tónica", como "’correção’ escrito ’corréção’, ’espetaculo’ corrigido para ’espétaculo’ ou mesmo ’letivo’ que passa a ’létivo’".
Um "caos ortográfico" que se reflecte nos vários dicionários, correctores e conversores, consideram os subscritores do manifesto.

AO1990: “efeitos opostos...não uniu, não unificou...É um fracasso ...ideia imprevidente do PM Cavaco Silva”
"O `Acordo Ortográfico` de 1990 (AO90) nasceu de uma ideia imprevidente do então primeiro-ministro, Cavaco Silva, a pretexto de `unificar` `as duas ortografias oficiais` do Português (sic) - alegadamente para evitar que o Português de Portugal se tornasse uma `língua residual`(!) -, e de `simplificar` a escrita", lê-se no manifesto.
"Na realidade, o que fez foi abrir uma caixa de Pandora e criar um monstro. O AO-90 --- a que os sucessivos Governos, com uma alegre inconsciência, foram dando execução ---, é um fiasco político, linguístico, social, cultural, jurídico e económico", sentencia o manifesto.
O AO90, lê-se no manifesto, "teve os efeitos exactamente opostos aos que se propunha: não uniu, não unificou, não simplificou. É um fracasso político, linguístico, social, cultural e jurídico".
"É também um fracasso económico, pois, ao contrário do que apregoou, não fez vender mais nem facilitou a circulação de livros. Pelo contrário: as vendas caíram".
"O Português pré-AO90 continua a ser a ortografia utilizada nos dois países luso-escreventes mais populosos (logo a seguir ao Brasil): Angola e Moçambique; o que obriga a duas edições de livros e de manuais escolares por parte das Editoras: uma com e outra sem o AO90", acrescenta o texto.
"Foi pior a emenda que o soneto", segundo os subscritores do manifesto, realçando que "a diversidade ortográfica --- entre apenas duas variantes do Português: o de Portugal e o do Brasil --- nunca foi obstáculo à comunicação entre os diversos povos de Língua portuguesa", e enfatizam que "nunca foi razão de empobrecimento, mas, pelo contrário, uma afirmação da pujança da nossa língua; o que, aliás, faz dela uma das mais escritas e utilizadas do Mundo".
Os subscritores, entre os quais se encontram também José Ribeiro e Castro e Júlio Pomar, lembram que "o Inglês tem 18 variantes, e não deixa por isso de ser a principal língua internacional, o francês tem 15 e o castelhano, 21". Para os subscritores, "as `aplicações` do AO90 afastam o Português padrão das principais línguas internacionais, o que só traz desvantagens em termos etimológicos, de globalização e de aprendizagem dessas línguas estrangeiras".
"O AO90 dividiu a sociedade e as gerações, ao impor uma forma de escrita nas escolas, universidades, instituições do Estado e da sociedade civil --- enquanto a esmagadora maioria dos Portugueses continua a escrever com o Português pré-AO90", afirma-se no manifesto.


Desvincular, revogar já
O manifesto assinado por mais de cem personalidades tem por objetivo "a desvinculação de Portugal ao `Acordo Ortográfico` de 1990, do 1.º e do 2.º Protocolo Modificativo ao AO90 (ou, no mínimo, a sua suspensão por tempo indeterminado)".

"Requeremos também a revogação imediata da resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, de 25 de Janeiro, com efeitos retroactivos, apagando os efeitos inconstitucionais e, por isso, nulos, que produziu iniquamente", concluem os subscritores.


Fontes: Lusa, RTP, página oficial do grupo contra o Acordo Ortográfico.



MLL