segunda-feira, 22 de maio de 2023

Literatura e Conhecimento das Comunidades Locais (2014)

Universal e Local - Diatopias do Conhecimento (Painel 5. Literatura e Conhecimento das Comunidades Locais) Resumo O contributo da literatura para o conhecimento das comunidades locais, campo de estudo ainda nascente, constitui um desafio na investigação para o desenvolvimento científico atual. Entre os pontos aqui analisados estão: i) A literatura (enformada pela língua) dá a chave para aceder ao Universal, porquanto resulta num complexo entretecido de uma sucessão de topoi, que são os locais, as “diatopias”; ii) Onde as outras ciências só agora começam a penetrar, a literatura tem estado presente desde os alvores da Humanidade; iii) Ousando afirmar o princípio de que somos feitos do pó das estrelas, avança-se para a ideia de que a essência da vida, em todas as suas formas, pede para ser compreendida, e esse apelo profundo dá lugar à investigação científica, a das Humanidades (ciências humanas e sociais) e a das Ciências, stricto sensu. 1. Conceitos em rede, ou limites da interpretação Literatura. Oratura. Esta que é mais conhecida na sua designação, mais antiga, de Literatura Oral, precede e abre o para dar resposta a perguntas sobre o Eu, construído nas suas suas interações com o Outro e o mundo. É a literatura, na sua forma oral, que avulta desde a primeira hora da Humanidade como instância mediadora do saber porque constituída por códigos (os literários) que, pela sua especificidade, possibilitam falar ocultamente de temas que moldam os comportamentos, as atitudes de toda uma comunidade submetida desde a infância aos modelos sociais. O criador-contador seja ele griot, cantautor ou só compositor de música, poema épico ou lírico, que fala dum eu íntimo ou dum herói coletivo, em texto oral ou escrito, está inserido numa comunidade da qual recebe inputs, influências, estímulos, que são matéria-prima a trabalhar na produção artística. Os temas que o contador de histórias vai escolher dependem das necessidades, ocultas ou expressas, surgidas na comunidade. Daí os temas que ensinam, pedagógicos antes de tudo porque há que ensinar as crianças a comportarem-se: a) Não cometas o pecado da gula, pois pode acontecer-te o mesmo que ao Ti Lobo (destituído do seu estatuto prestigiante de “mais velho” pelas derrotas sucessivas que lhe inflige o jovem “Chibinho” (que por natureza devia ser a presa, comida, ou seja, a parte mais fraca enquanto receptora do ensinamento provido pelo “mais velho”); b) Menina, comporta-te bem senão o Lobo engana-te/ come-te; c) Gestor familiar, sê previdente para não te faltar amanhã o que desperdiças hoje… 2. Literatura: rede entretecida O que é literatura? O que é conhecimento? Como é que estes dois conceitos se relacionam? É uma tarefa individual, mas exige a orientação de um par mais desenvolvido que ajude a caminhar em busca do conhecimento pleno que só a literatura permite, tanto nas idades míticas como na era atual, porque dois factores avultam no desenvolvimento dessa área do saber. Examinemo-los: a) Factor matéria-prima ou a língua na sociedade. Fenómeno cultural e biológico, a língua tem tanto de inato como de adquirido e só existe em sociedade (na família, interpares, na instituição…). Mas além disso constitui um fenómeno sui generis porque só exise em resultado do labor de um criador. b) Factor Ecologia. O contar, o cantar são atividades humanas através de um longo processo que resulta da atenção seletiva aos ritmos biológicos. A Literatura é também o resultado que diríamos ecológico da relação insituida entre biologia humana e cultura. Uma determinação que continua a influenciar a Literatura como área do conhecimento, pelos questionamentos e desenvolvimentos que as ciências despoletam, no seu incessante movimento. As vidas literárias ouso dizer são a vivência total, racional e emotiva, a “Logic and Imagination” que Einstein entreviu quando disse: “Toda a ciência não é mais do que o refinamento do pensamento quotidiano” ( tópico a ser retomado em 4.1.2). Emergindo num sistema pré-existente, em que se articulam a língua e a sociedade, a literatura tem tanto de universal como de local, de expressão individual como de voz coletiva mediada pelo criador-contador. Fruto de um dado telurismo, a primitiva literatura, a oratura, constitui o tesouro da coletividade onde emerge, antes de em tempos históricos passar a ser um produto, a literatura propriamente dita, com direitos de autor. 3. Ano 2014, um olhar em retrospecto Conhecimento do eu e do nós: mediação pelos códigos que navegam entre arte e ciência, imaginação criadora e pensamento conceptual. 4. Princípio do verbo 4.1. Auctoritas: o senhor da língua, a língua do senhor,… -quem detém a língua detém o poder: langue/parole 4.1.1. Literatura: a) A dimensão teleológica da criação literária versus b) liberdade - a arte produzida como: a). comunicação com fins específicos: educar os membros da sua sociedade para : adequação ao meio, a economia do meio, aos valores , logo a) =ação controladora visando a manutenção do ecossistema, a começar pela base, a família, até às novas formas de organização social (incluindo as redes sociais digitais, networks). b).expressão do Eu =liberdade 3.1.2. Arqueologia do oral versus Tempo das musas aprenderem a escrever Estudar a língua oral é o primeiro passo para a sua escrita, como demonstra a opção metodológica pelo oral presente em Saussure, que influenciou a metodologia das ciências sociais atuais. Na literatura, tudo começou mais cedo e a maior parte das línguas dos livros tiveram, antes de serem escritas, uma longa tradição oral. E se hoje os livros são acessíveis aos bolsos de todos, devido ao preço baixo permitido pela tecnologia atual e pelas novas formas da economia de escala, a verdade é que fruí-los tornou-se um luxo. 4.1.2.1. Cifrado ou criado, o sentido só é acessível aos iniciados Num espaço-tempo que é o da actualidade, a busca do sentido afigura-se como um esforço que poucos se aventuram a realizar. É uma tarefa individual, mas exige a orientação de um par mais desenvolvido, escritor e pedagogo em tempos diferentes na sua relação com o leitor, munidos de instrumentos e metodologias que a ciência vai instituindo e que a mesma ciência vai destituindo. Instituir e destituir, confirmar num dado momento e infirmar logo que surgem novos desenvolvimentos é o destino da ciência. 4.1.3.Tempo escultor e Pedagogo: condição necessária para o labor e o seu entendimento O tempo é condição necessária para o labor e o seu entendimento. Ler devagar exige tempo, um tempo produtivo, de aprofundamento do conhecido para atingir novos rumos. ´ 4. Diatopias 4.1. Centro de ontem resultado de um longo processo histórico que acompanha as evoluções e transformações nos vários domínios da vida das sociedades humanas ao longo do tempo. A passagem ao escrito dá-se por força da ocorrência de determinados fenómenos – tanto assim que ocorre em algumas sociedades e não ocorre em outras. Além disso, verifica-se que mesmo naquelas que desenvolveram a escrita e passando esta a desempenhar um papel central na organização do estado, muitas camadas da população ficaram de fora do processo. A democratização do acesso é um fenómeno dos nossos dias: só nos últimos cem anos os países mais avançados implementam o acesso universal. 4.2. Periferia de amanhã Quando se passa do oral ao escrito, historicamente, dá-se uma ruptura que muitas vezes tem conduzido a modificações nos sistemas de morfologia e de sintaxe das línguas, do inglês do século XV (antes de Shakespeare) ao alemão do século XIX, das línguas germânicas às línguas românicas e ainda desde o grego clássico ao latim. Estudos em áreas que vão da literatura, história, psicologia, economia e linguística às ciências da vida (psicologia(!), neurociências), demonstram que a evolução das línguas, tanto no sentido da complexificação como da simplificação dos sistemas de morfologia casual e verbal (condição simultânea, na impossibilidade de distinguir se antecedente se consequente, às redefinições da estrutura sintáctica de um dado sistema de língua) para ser compreendida tem de recorrer a uma investigação interdisciplinar. 4.3. Futuro na mão 5.Decálogo Evitar fazer as suas escolhas dentro de um limite espacial-temporal estreito, que só satisfaz o imediato. Mª Lourdes Lima Professora