O manifesto dos "Cidadãos contra o ’Acordo
Ortográfico’ de 1990" (AO90), divulgado pela comunicação social esta
segunda-feira, 23 em Lisboa, contesta o "critério da pronúncia"
adoptado, que "gerou aberrações" e "abriu a caxa de
Pandora", ou seja, a fonte de todos os erros.
O Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tratado internacional firmado em 1990
com o objectivo de criar uma ortografia unificada para o português, volta a ser
contestado pela enésima vez, no manifesto “postado” nas redes sociais e
divulgado esta segunda-feira, 23 em Lisboa.
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Dirigido ao
Chefe de Estado, ao parlamento e ao Governo, a juízes dos tribunais, "aos
portugueses, funcionários públicos, escolas públicas, particulares e
cooperativas, respectivos professores e alunos, universidades, editoras e
autoridades administrativas independentes", lê-se no manifesto que "o
processo de entrada em vigor do AO90, nos Estados lusófonos, começou por ser um
golpe político". Chamam a atenção, os subscritores, que Angola e
Moçambique, "os dois maiores países de Língua Portuguesa a seguir ao
Brasil", "nunca o ratificaram", enquanto Portugal, Brasil e Cabo
Verde "o mandaram ’aplicar’ obrigatoriamente".
O manifesto,
assinado por mais de uma centena de personalidades, como o escritor António
Lobo Antunes, Boaventura de Sousa Santos, Eduardo Lourenço, Isabel Pires de
Lima, António Barreto, Carlos Fiolhais, Carlos do Carmo e António-Pedro
Vasconcelos, é também dirigido à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP), ao Instituto Internacional da Língua Portuguesa, à Academia das
Ciências de Lisboa, ao Instituto de Linguística Teórica e Computacional e ao
Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, à Imprensa Nacional — Casa da
Moeda "e a todas as restantes entidades públicas e privadas".
"Critério
da pronúncia gera absurdos"
"O AO90
criou arbitrariamente centenas" de entradas de dicionário, "até aí
inexistentes em qualquer das ortografias", como "conceção" por
"concepção", "receção" por "recepção",
"espetador" por "espectador", que geraram "confusões
semânticas: "’conceção de crédito’, ’receção económica’ ou ’espetador de
cinema’", citam os signatários, no tocante às consoantes mudas, defendendo
que são exemplos.
"No
entanto, pela mesma lógica, o AO90 deveria começar por cortar a mais ’muda’ de
todas as consoantes: o "h" inicial. O que não fez", realça o
texto assinado personalidades de vários domínios do saber.
Segundo o
documento, o AO90 "estabeleceu 17 normas que instituem duplas grafias ou
facultatividades, assentando num critério que se pretende de acordo com as
’pronúncias’", dando como exemplos "corrupto" e
"corruto", "ruptura" e "rutura",
"peremptório" e "perentório".
No caso de
"’óptico’ (relativo aos olhos), com a supressão da consoante ’muda’ ’p’,
passou a ’ótico’ (relativo aos ouvidos), o que cria a confusão total"
entre especialistas e público, "que deixam de saber a que órgão do corpo
humano" se refere.
Em Portugal,
para os subscritores do manifesto, como Constança Cunha e Sá e Eugénio Lisboa,
"a eliminação sem critério das consoantes ’c’ e ’p’, ditas ’mudas’, afasta
as ortografias do português europeu e do Brasil", tendo ainda criado
"desagregações nas famílias de algumas palavras".
Salienta o
texto que estas "desagregações" provocam "insólitas
incoerências", como "Egito" e "egípcios", produtos
"lácteos" e "laticínios", os "epiléticos" que
sofrem de "epilepsia" ou o "convector" que opera de modo
"convetivo".
"O facto
de as facultatividades serem ilimitadas territorialmente", acrescenta o
manifesto, "conduz a uma multiplicação gráfica caótica", como
acontece com "’contacto’ e ’contato’, ’aritmética’ e ’arimética’".
"O curso
universitário de ’Electrónica e Electrotecnia’ pode ser grafado com 32
combinações diferentes", o que é "manifestamente absurdo", lê-se
no manifesto assinado por personalidades, como Maria Teresa Horta, Manuel
Alegre e António Garcia Pereira, e cinco associações, entre as quais a Sociedade
Portuguesa de Autores. . "A confusão maior surgiu entre a população que se
viu obrigada a ter de ’aplicar’ o AO90, e passou a cortar ’cês’ e ’pês’ a eito,
o que levou ao aparecimento de erros", como "batérias",
"impatos", "ténicas", "fição", "adatação",
"atidão", "abruto" e "adeto", "além de
cortarem outras consoantes, como, por exemplo, o ’b’ em ’ojeção’, ou o ’g’ em
’dianóstico’".
Os
subscritores, como Helena Roseta, José Pacheco Pereira e Januário Torgal
Ferreira, afirmam que, no uso de maiúsculas e minúsculas, "o caos
abunda" e é "caótica "a forma como se utiliza o hífen":
"guarda-chuva" e "mandachuva", "cor-de-rosa" e
"cor de laranja" são alguns exemplos.
"Entre
outras arbitrariedades, a supressão do acento agudo cria situações caricatas. A
expressão popular: ’Alto e pára o baile’, na grafia do AO90 (’Alto e para o
baile’) dá origem a leituras contraditórias", e a frase "Não me pélo
pelo pêlo de quem pára para resistir" fica incompreensível, adianta o
documento. "Para ’compensar’ o desaparecimento da consoante ’muda’ e
evitar o ’fechamento’ da vogal anterior, imposto pelo AO90, na escrita
corrente, surgem aberrações espontâneas como a colocação de acentos fora da
sílaba tónica", como "’correção’ escrito ’corréção’, ’espetaculo’
corrigido para ’espétaculo’ ou mesmo ’letivo’ que passa a ’létivo’".
Um "caos
ortográfico" que se reflecte nos vários dicionários, correctores e
conversores, consideram os subscritores do manifesto.
AO1990:
“efeitos opostos...não uniu, não unificou...É um fracasso ...ideia imprevidente do PM Cavaco Silva”
"O
`Acordo Ortográfico` de 1990 (AO90) nasceu de uma ideia imprevidente do então
primeiro-ministro, Cavaco Silva, a pretexto de `unificar` `as duas ortografias
oficiais` do Português (sic) - alegadamente para evitar que o Português de
Portugal se tornasse uma `língua residual`(!) -, e de `simplificar` a
escrita", lê-se no manifesto.
"Na
realidade, o que fez foi abrir uma caixa de Pandora e criar um monstro. O AO-90
--- a que os sucessivos Governos, com uma alegre inconsciência, foram dando
execução ---, é um fiasco político, linguístico, social, cultural, jurídico e
económico", sentencia o manifesto.
O AO90, lê-se
no manifesto, "teve os efeitos exactamente opostos aos que se propunha:
não uniu, não unificou, não simplificou. É um fracasso político, linguístico,
social, cultural e jurídico".
"É
também um fracasso económico, pois, ao contrário do que apregoou, não fez
vender mais nem facilitou a circulação de livros. Pelo contrário: as vendas
caíram".
"O
Português pré-AO90 continua a ser a ortografia utilizada nos dois países
luso-escreventes mais populosos (logo a seguir ao Brasil): Angola e Moçambique;
o que obriga a duas edições de livros e de manuais escolares por parte das
Editoras: uma com e outra sem o AO90", acrescenta o texto.
"Foi
pior a emenda que o soneto", segundo os subscritores do manifesto,
realçando que "a diversidade ortográfica --- entre apenas duas variantes
do Português: o de Portugal e o do Brasil --- nunca foi obstáculo à comunicação
entre os diversos povos de Língua portuguesa", e enfatizam que "nunca
foi razão de empobrecimento, mas, pelo contrário, uma afirmação da pujança da
nossa língua; o que, aliás, faz dela uma das mais escritas e utilizadas do
Mundo".
Os
subscritores, entre os quais se encontram também José Ribeiro e Castro e Júlio
Pomar, lembram que "o Inglês tem 18 variantes, e não deixa por isso de ser
a principal língua internacional, o francês tem 15 e o castelhano, 21".
Para os subscritores, "as `aplicações` do AO90 afastam o Português padrão
das principais línguas internacionais, o que só traz desvantagens em termos
etimológicos, de globalização e de aprendizagem dessas línguas
estrangeiras".
"O AO90
dividiu a sociedade e as gerações, ao impor uma forma de escrita nas escolas,
universidades, instituições do Estado e da sociedade civil --- enquanto a
esmagadora maioria dos Portugueses continua a escrever com o Português
pré-AO90", afirma-se no manifesto.
Desvincular,
revogar já
O manifesto
assinado por mais de cem personalidades tem por objetivo "a desvinculação
de Portugal ao `Acordo Ortográfico` de 1990, do 1.º e do 2.º Protocolo
Modificativo ao AO90 (ou, no mínimo, a sua suspensão por tempo
indeterminado)".
"Requeremos
também a revogação imediata da resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011,
de 25 de Janeiro, com efeitos retroactivos, apagando os efeitos
inconstitucionais e, por isso, nulos, que produziu iniquamente", concluem
os subscritores.
Fontes: Lusa,
RTP, página oficial do grupo contra o Acordo Ortográfico.
MLL
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