sábado, 17 de maio de 2014
Dia da Família 2014. Como evoluiu o binómio família-migração
Dia da Família 2014. Como evoluiu o binómio família-migração
Por ocasião do Dia da Família, este ano, dei por mim a recriar de memória trechos literários sobre a emigração nossa.
Recreei-me por temáticas como O querer ficar e ter que partir, Si ca bado ca ta birado (Si ka badu ka ta biradu), e o hino Hora di bai. Rememorei-os esta manhã enquanto ouvia comentar: O quadro da migração cabo-verdiana evoluiu tanto! Emigravam os homens, as mulheres ficavam a liderar a família.
Trago para uma leitura partilhada os extratos, a seguir, da nossa conterrânea Saara I. Almadina, que, em A Saga da Água, documenta uma realidade passada há 80 anos.
A Filha do Emigrante
Quem sai da vila e vai pela ribeira na direcção sudeste, acima, ao fim de um par de léguas encontra um bardo de pedras cercando uma plantação de bananeiras.
Sem saber, poderá estar a ser visto da janela do sótão de uma casa assobradada, escondido tanto pela densa folhagem quanto pela exígua janelinha tapada por esvoaçante cortina.
Quem habita o quarto assim escondido dos olhares de quem passa, são poucos os que o sabem. É o mais bem guardado segredo das redondezas.
Tudo começara num dia já bem longínquo.
Uma carta a anunciar a tão aguardada chegada pôs tudo em alvoroço. Dez anos de espera contados um a um, dia após dia…
Tanto tempo passara já desde a madrugada do dia em que a mula, ajoujada com a mala de latão foi conduzida pela arreata pelo Vicente, menino de casa, aí criado desde a mais tenra idade, enquanto o Cosme cavalgava a égua ruça. As despedidas tinham sido bem dolorosas. A jovem mulher de Cosme, a Delfina, de figura delicada a condizer com o nome, nenhum esforço fazia para segurar as lágrimas. Mas em frente dos outros calava as palavras que dissera havia pouco: “Ó Cosme, ene ê pa ba. Ó Deus, pa via de quê bo casá ma mim pa bem dexa-m nhe me-so?”
Entre lágrimas e súplicas, não mais pôde ser adiada a partida. O aviso chegara de que o navio para São Vicente saía do Paul, daí a nada, pouco mais de três horas.
Um mês fazia que Cosme se fora. Um mês mais e carta nenhuma ainda. Mas não era de estranhar: a América tão longe…
Mais outro e outro mês. Até que um dia… a carta.
De tempos a tempos, três, quatro vezes num ano, lá ia chegando uma carta.
Mandava dinheiro. Ela guardava-o.
Depois as cartas foram rareando. Até que um dia, já se tinham passado cinco anos, era fácil de ver pelo crescimento dos meninos, as cartas emudeceram.
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