B. Lèza, Francisco Cruz, o compositor, em diálogo com o linguista Baltasar Lopes. Quando as musas aprendem a escrever.
1. Quando-as-musas-aprendem-a-escrever como escrevem elas uma língua só oral?
Como a grande maioria (raríssimos “happy few”) que escrevia a língua materna, ainda por fixar segundo os parâmetros ditados pela investigação científica, também ao B. Leza cabia socorrer-se do sistema de escrita que conhecia, o português.
A escrita o compositor só podia ser etimológica: ele autodidacta ao escrever a sua primeira língua feita poesia, partia do português, a língua-segunda.
2. E se no meio há um linguista?
Aquele que tem preparação académica, baseada nas últimas investigações linguísticas. Nesse meio, o único que a tinha era Baltasar Lopes. Entre BL e B.L enceta-se uma longa conversa. Deduzimo-lo colectando diversos elementos que vão desde os elementos ficcionais encontrados desde os anos de 1930 até à entrevista de 1986 a Laban, passando por uma carta de 1968, interrogamo-nos: qual a relação que vai de B. Leza a Baltasar Lopes, quais as mútuas inter-influências destes contemporâneos criadores?
O que indicia a entrevista de Lopes a Laban é que o linguista procurou intervir lá onde podia, “Pense, pense” incentivava-o. E o compositor pensou e fez.
Esta, a hipótese: a de que das conversas entre BL e B.Lèza tenha surgido um complemento que permitiu ao compositor estruturar melhor a palavra escrita.
Um complemento porque a base era trabalho de músico: a sensibilidade musical exercitada, o trabalho sobre as sonoridades.
Sonoridades musicais que exigem ao compositor o pensar sobre o que é uma arte dos sentidos. Um pensar o que ouve a exigir e não dispensando o método investigativo do linguista. Este que se debruça sobre os traços próprios de cada som isolado e também na sua organização que segue as regras próprias, tal como a língua. Das sequências sonoras, analisar as harmonias e distingui-las de desarmonias, é um trabalho que decorre do conhecimento da natureza dos sons. São as palatais, apicais, guturais, líquidas, vibrantes, abertas, fechadas, arredondadas, velarizadas…
Sonoridades próprias de cada palavra, harmonias e desarmonias que decorrem da natureza dos sons combinados: xkuta: Esta, uma sequência consoante-consoante que soa áspera ao ouvido, logo imprópria para a música, claro. Vamos pois a criar uma ponte. Uma vogal, alta, a ligar as duas margens: sucuta/sukuta: Ou talvez só uma vogal central: sacuta/sakuta.
(continua)